. Partículas de pó .

by Os dias do meio

Lembro-me de ser pequeno e olhar as partículas de pó apanhadas em pleno ar pelo sol que entrava no meu quarto. Ficava a olhar para elas, a pensar como eram tão pequenas e leves que não caíam, tão leves que bastava eu mexer a mão e elas logo reviravam no ar do meu quarto. Conforme lhes batia o sol, brilhavam como estrelas e eu era um gigante. Às vezes fixava uma delas e seguia-a até me distrair com outra coisa qualquer. Nesses momentos de quase nada eu dizia a mim mesmo: tens de te lembrar disto daqui a muitos anos. Este preciso momento em que estás a ver isto, a pensar isto e a dizer a ti mesmo: tens de te lembrar disto daqui a muitos anos.

Quando eu era pequeno gostava de encostar o ouvido na barriga do meu pai e ouvi-lo falar. Ouvia a voz dele cá fora por uma orelha, e pela outra, a voz abafada e interior do meu pai. Pelo meio escutava o respirar e os pequenos sons internos que um corpo faz. Aquilo confortava-me. Era como estar debaixo de água dentro de casa, era uma quase canção de embalar sem melodia, um colo sem que me pegassem. Eram coisas que eu não partilhava com ninguém, tudo se passava cá dentro. E eu sabia que ia ser sempre assim. O infinitamente grande e o infinitamente pequeno não se traduzem em voz alta.

(17 Dezembro 2012)

2012 12 16 - Partículas no ar