. Os dias do meio .
by Os dias do meio
Recebi uma mensagem da minha mãe que dizia: Pai não está bem, pergunta por si. Dá para passar cá?
Eu estava longe, tinha pressa de o ver. Voltei para Lisboa sem pressa de chegar, sabia que faltava pouco.
Vim no banco de trás, em silêncio. Quando o meu pai adoeceu eu chorei todos os dias durante 2 anos.
Foi estranho viver acostumado ao choro. Parecia não ter fim.
Mas houve um dia em que não chorei. E a estranheza então foi essa: hoje eu não chorei.
A última vez que estive com o meu pai ele dormia.
Acordou por breves minutos, no torpor da morfina. Perguntou pelos meus dias, quis fumar.
Sentei-o e ajustei as almofadas. Segurei a cigarrilha e o cinzeiro.
Ele tragava devagar, deixava as frases a meio e adormecia. A cinza demorava entre os meus dedos, na ponta do fumo. Acordava e fumava, adormecia com a cigarrilha entre os lábios.
Fi-lo na ternura de uma tarde de Agosto. No silêncio de quem sabe o que vai acontecer, estávamos ali os dois, olhos nos olhos, a fumar uma cigarrilha.
Ele engasgou-se e começou a tossir. Endireitei-o e sentei-me na cama por trás dele, para que se encostasse a mim.
Abracei-o, a minha cara pousada no ombro, no pescoço. Cheirei-o.
O corpo frágil, o olhar suave. O meu pai indefeso e eu a parar de cair. O meu pai cheirava a bebé.
Ele adormeceu novamente e eu fiquei ali. Guardei-o e guardei-me, deixei-me ficar.
Este é o fim, é assim que acaba. E foi bom, e estava tudo ali.
* * *
Não é verdade que nos despedimos de quem se vai embora.
Nunca dizemos adeus, vivemos o presente enquanto ele existe, como se fosse para oferecer.
Os últimos dias são como os primeiros, como os do meio – estamos, somos, amamos. Não há despedidas.
Hoje conto 12 anos desde aquela tarde de Agosto.
Lembro-me de tudo.
Habituei-me a viver sem ele, mas não há despedidas.
(13 Agosto 2013)