. A jarra .

by Os dias do meio

No Verão passado, uma amiga passou pelo Porto e trouxe-me um presente: uma jarra de cerâmica, verde como o escuro das águas mais fundas.
Pesada e espessa, ela torce o pescoço das seis faces que elegantemente dão graça à minha sala.

No Outono a minha amiga fez-me querer festejar o meu aniversário. Ela queria melancias cheias de tequilla, eu queria um cinto de ferramentas, um beijo mais complicado, marinheiros a dançar no salão de baile e os amigos a aquecerem-me a casa – as coisas simples.

Fizemos a festa. Eu disse que eu mesmo iria comprar as flores. Dei uso a cada jarra e coloquei uma a uma no seu lugar. A festa, quase perfeita.
Nas semanas que se seguiram, estive do outro lado do mar, a apaixonar-me por uma cidade que eu não sabia que também era minha. Quando voltei, algumas das flores ainda estavam intactas – a florista disse que durariam 3 semanas. Foi o tempo que demorei.

De todas as jarras a água saiu clara, menos da jarra verde.
Pesada e espessa e de pescoço torcido, a jarra de cerâmica verde como o fundo das águas, estava coberta de gotas castanhas. Na minha ausência ela segregou uma substância melosa de cheiro adocicado. Uma fermentação alcoólica e misteriosa que dá vida à minha jarra de cor escura.
A água lá dentro a empurrar o que é doce cá para fora.

Sempre que a uso, ela devolve-me gotas de melaço castanho. Gosto de acreditar que vive um amor dentro dela, que respira e transpira quando eu não estou na mesma sala, e destila o carinho que a minha amiga lhe meteu dentro quando me a ofereceu. Não foi preciso o cinto de ferramentas nem pendurar-me num poste – bastou meter flores na jarra. O beijo chegou pelo natal.

(13 Janeiro 2013)

2013 01 13 - A Jarra