. Imagine .
by Os dias do meio
Saí de manhã para comprar fruta no mercado.
Na minha rua há uma escola primária – a escola maria leopoldina. Ontem de manhã um professor tocava violão, os meninos estavam em pé em cima de um degrau com outros em baixo, como um coro. Cantavam o Imagine do John Lenon. Havia uma projecção video na parede com um retrato do John e a letra traduzida para português ia passando. Parei a ouvi-los, de peito cheio. Há professores assim, que fazem toda a diferença. E há um John Lenon assassinado, que queria um mundo melhor – a tal brotherhood of man. Os meninos cantavam atrás das grades, porque o Brasil é um país violento. Do lado de fora as mães vieram visitá-los no intervalo, trazer o lanche da manhã, uma carteira de cromos e ternura. Ao meu lado uma mãe beijava o filho, cheirava-o e beijava-o mais para não esquecer aquele cheiro.
Pode o mundo ser ganancioso, pode haver pobreza e muita desigualdade, mas também há o amor e o aguentar, há os sonhos de muita gente que canta em coro por um mundo em que o que importa são as pessoas.
41 anos depois, esta canção faz-se ouvir no pátio de uma escola pobre no Rio de Janeiro. Só por isso a canção já ganhou e o Lenon não morreu.
Continuei a descer a rua e poucos metro mais abaixo vi uma senhora do outro lado e parei. Magra e bonita. Vestido branco com florinhas vermelhas e por cima um casaco leve comprido e vermelho forte, como um manto. Os cabelos brancos presos numa trança que começava na testa do lado direito e cruzava para o lado esquerdo, seguindo para trás. Na mão segurava um raminho – creio que de arruda ou outra planta – uma Rainha.
Atravessei a rua e fui ter com ela. Disse: Bom dia! posso dizer-lhe como a senhora é bonita? Os olhos dela brilharam. Olhos claros, velados pelos 78 anos, 2 derrames e outras agruras. Ela disse que eu estava a vê-la pelos olhos de Deus. Perguntou qual era o meu nome e disse que ia rezar por mim. Depois falou sobre Deus o criador de tudo no céu e na terra, da luz e da bondade. Deus só não criou o mar, disse ela – ali ele colocou toda a sua raiva e com ela matou todo o mundo no dilúvio. Estive uns minutos a ouvir aquela senhora a falar de Deus. Não quis dizer-lhe que Deus não existe. O que eu queria era que ela soubesse que a vi linda. Ela disse-me que tinha ganho o dia. Eu respondi: eu também. Segurei a mão dela e despedimo-nos com um bom dia.
Estes dois episódios aconteceram no mesmo quarteirão, uma coisa e logo depois outra coisa.
Dia bom.
Rio de Janeiro, 18 de Outubro 2012
Rua de Santo Amaro.