. Temporal .
O Domingo pôs-se quente. Final de tarde em Santa Teresa, onde o bonde já não passa e as ruas estão iguais ao que eram antes. Sigo os carris e desço à Lapa já de noite. Do alto de Santa Teresa vêm-se relâmpagos ao longe. O ar está carregado de calor eléctrico e húmido.
Nos arcos da Lapa uma instalação do Brian Eno projecta cores que se transformam imperceptivelmente. Sento-me no chão de pedra e está quente, muito quente. Muita gente se junta ali, a ver os arcos em mudança tranquila. Vende-se cerveja, pipocas e churrasquinho. Pais e filhos tiram fotografias, aproximam-se dos arcos e fazem poses com as próprias sombras. Uma grávida de perfil com uma amiga que lhe beija a barriga, uma mãe com o filho numa cadeira de rodas, pai mãe e 2 filhos criam um Shiva colorido. O som é grave e onírico e atira-me para um estado alfa, quase a dormir. Por trás dos arcos o céu também se ilumina com os relâmpagos silenciosos. O temporal aproxima-se.
Uma rapariga sentada no chão ao meu lado diz-me olá – não a reconheço imediatamente – Ela sorri e diz: Pietro! Estás aqui? Ia pedir-te lume e reconheci-te – Era a Alface. Vem trabalhar com o Galante e a Ana Borralho e chegou uns dias mais cedo. Estava com um rapaz cujo nome nunca fixo, desculpa.
Começa a pingar. Depois a chover. Uma parte da multidão abriga-se, outra fica. A chuva engrossa e também nós nos abrigamos debaixo dos arcos. Um tipo pede-nos uma seda e eu tenho de apanhar chuva. Uns segundos bastam para me encharcar. A praça alaga, a água chega-nos aos pés um chá morno de pedra do chão. A projecção continua, a praça vazia, excepto as duas raparigas debaixo de um guarda chuva que lhes mantém as cabeças sêcas – os saltos altos cravados na água.
O nosso plano de tomar uma cerveja transforma-se em vamos-para-casa-à-chuva-porque-isto-está-para-durar. Eles seguem para outro lado e eu atravesso a rua que é já um rio. Abrigo-me debaixo de um toldo furado e vejo o nível da água subir aos tornozelos em poucos minutos. Olho à volta e começo a rir – estou num temporal tropical, sozinho no Rio de Janeiro, ensopado até às cuecas. Os arcos apagam as cores e a água toma conta de tudo. Cada vez que a chuva abranda eu avanço. Quando me abrigo torço a t-shirt. Apanho goteiras que são como baldes de água e o vento acelera. Já na Glória sigo abrigado pelas varandas largas.
E então vejo uma borboleta enorme poisar – parece uma monarca, mas tem outras cores. Parou numa coluna a 1 metro de mim. Parei. De asas fechadas tinha o tamanho da minha mão aberta. Um olho enorme a olhar para mim, como um bicho da selva. Aproximam-se 2 raparigas em sentido contrário e digo-lhes: olha lá! E a borboleta voou. A rapariga nem a viu. Já em casa no meu alpendre, deixei-me estar à chuva todo nu e comi uma manga. Bem vindo à Primavera no Rio.
(23 Outubro 2012)